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A Inquisição não nasceu do nada. Desde os primeiros séculos, a Igreja já combatia o que chamava de “heresias” — ideias divergentes que ameaçavam a doutrina oficial. Mas foi no século XIII, diante do crescimento de movimentos heréticos como os cátaros (ou albigenses) no sul da França, que surgiu a necessidade de uma estrutura mais organizada.
Em 1231, o papa Gregório IX criou o que viria a ser conhecido como Inquisição Papal, com inquisidores nomeados diretamente por Roma, muitos deles pertencentes às ordens dominicanas e franciscanas.
Mas atenção: essa primeira Inquisição era distinta da famosa “Santa Inquisição Espanhola”, que viria depois. O que todas compartilham é o propósito central: identificar, julgar e punir heresias. E isso não era apenas uma questão teológica — heresia, na época, era considerada um crime contra o Estado.
O funcionamento da Inquisição era uma engenharia institucional de vigilância da fé:
Denúncias anônimas eram encorajadas;
Os acusados podiam ser interrogados por semanas, frequentemente sob tortura autorizada;
O objetivo era sempre a confissão — vista como sinal de arrependimento espiritual, mas também como uma forma de confirmar o poder da Igreja;
As penas variavam de penitências públicas até a execução na fogueira — mas sempre entregue ao “braço secular” (a justiça civil), pois a Igreja alegava não derramar sangue.
Era um teatro ritualizado de obediência religiosa, onde o medo de ser acusado — mesmo sem provas — pairava sobre todas as camadas sociais.
Fundada em 1478 pelos Reis Católicos (Isabel e Fernando), com aprovação do papa Sisto IV, a Inquisição Espanhola foi particularmente brutal e politizada.
Diferente das anteriores, era controlada pelo Estado espanhol — e tinha como alvo principal os “conversos”: judeus e muçulmanos convertidos ao cristianismo que eram suspeitos de manter suas antigas práticas em segredo.
Também perseguiu:
Hereges protestantes (especialmente após a Reforma);
Praticantes de feitiçaria ou curandeirismo;
“Desviantes” da fé católica, incluindo místicos e teólogos críticos.
Os autos-de-fé — cerimônias públicas em que os condenados eram humilhados e entregues à execução — se tornaram espetáculos macabros, com presença de nobres e eclesiásticos.
Inspirada na espanhola, a Inquisição Portuguesa foi estabelecida em 1536, especialmente para investigar os judeus convertidos (marranos) e, mais tarde, para atuar no Brasil colonial.
Em terras brasileiras, ela perseguiu:
Práticas de matriz africana, sincretismos indígenas e formas populares de religiosidade;
Supostos pactos com o demônio, curandeiros, benzedeiras e qualquer prática vista como “superstição”;
Livros proibidos, ideias iluministas e heresias protestantes.
O Tribunal da Inquisição em Lisboa mantinha autos e registros com relatos minuciosos, hoje preciosos para a história social da época — revelando os conflitos entre religiosidade popular e ortodoxia oficial.
A Inquisição foi, antes de tudo, uma mentalidade: a crença de que há uma única verdade possível, e que tudo fora dela é erro, perigo ou malícia. E, pior: que essa verdade pode — e deve — ser imposta à força.
Isso criou uma cultura de:
Vigilância constante da fé alheia;
Censura intelectual e controle do pensamento;
Supressão da dúvida, do misticismo autônomo, da crítica teológica e filosófica.
Em pleno Renascimento, quando o mundo se abria à ciência e à descoberta, a Inquisição simbolizava a resistência violenta à mudança.
A Inquisição jamais teve uma data única de fim. Foi sendo progressivamente desmantelada ao longo dos séculos:
A Inquisição Espanhola foi abolida em 1834;
A Portuguesa, em 1821;
A última encarnação institucional do Santo Ofício foi transformada, em 1965, na Congregação para a Doutrina da Fé, ainda existente no Vaticano.
Mas o legado da Inquisição persiste, muitas vezes de forma simbólica:
No medo de questionar dogmas;
Na censura a vozes dissidentes;
No hábito de moralizar o outro antes de compreender.
A Inquisição não é apenas um episódio do passado — é um alerta histórico sobre os riscos da fusão entre fé e poder absoluto. É o exemplo mais cruel do que acontece quando a religião abandona a compaixão profética e se torna máquina de controle e punição.
Estudar a Inquisição é um exercício de lucidez histórica — porque nos obriga a encarar os efeitos sombrios da ortodoxia institucionalizada. Não para negar a fé, mas para lembrar que toda busca pelo sagrado precisa ser acompanhada de uma vigilância ética: quem vigia os que dizem vigiar em nome de Deus?