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O que chamamos de “Hinduísmo” não é uma religião no sentido ocidental do termo. Trata-se de um vasto conjunto de crenças, práticas, filosofias, mitos e rituais, que se desenvolveu ao longo de milhares de anos no subcontinente indiano, sem um fundador único, sem um credo exclusivo, e sem uma autoridade central. É uma das tradições espirituais mais antigas do mundo ainda em prática — mas ao mesmo tempo, uma das mais fluidas, adaptáveis e internamente diversas.
Para muitos estudiosos, o “Hinduísmo” é mais uma construção conceitual colonial do que um sistema religioso unificado. Na Índia antiga, os praticantes se referiam às suas tradições como Sanātana Dharma — o “Caminho Eterno” —, uma expressão que ressalta a ideia de uma ordem cósmica perpétua, que se manifesta através dos Vedas, da natureza e da experiência espiritual direta.
As origens do Hinduísmo são obscuras, complexas e, por vezes, controversas. Tradicionalmente, sua história é dividida em quatro grandes períodos:
Período Pré-Védico (até 1500 a.C.)
Associado à Civilização do Vale do Indo (Harappa e Mohenjo-Daro), onde já existiam práticas religiosas sofisticadas: rituais aquáticos, culto à fertilidade, imagens de figuras meditativas e animais simbólicos (como o touro e o unicórnio).
Período Védico (1500–600 a.C.)
Com a chegada dos povos indo-arianos, surgem os Vedas — textos sagrados em sânscrito que formam a base do pensamento védico. Essa era era dominada pelos rituais de fogo (yajña), cânticos aos deuses (devas) como Indra, Agni, Varuna, e uma classe sacerdotal (os brâmanes) que conduzia os ritos. Não havia templos nem imagens.
Período Pós-Védico ou Clássico (600 a.C.–1200 d.C.)
Surge a filosofia hindu clássica com os Upanishads, que criticam o ritualismo vazio e introduzem ideias revolucionárias como karma, reencarnação (samsara), moksha (libertação) e a identidade entre o Atman (o eu) e Brahman (o absoluto). É também o período do surgimento de textos como o Mahabharata, o Ramayana e os Puranas, que estabelecem os mitos e deuses populares como Krishna, Shiva, Vishnu, Durga, Lakshmi e Ganesha.
Período Medieval e Bhakti (1200–1800)
Período de grande transformação, com a invasão muçulmana e posterior colonização britânica. Surgem movimentos de devoção pessoal (bhakti) que democratizam a espiritualidade hindu, como os seguidores de Kabir, Mirabai, Chaitanya e Ramanuja. O culto à divindade se torna íntimo e emocional.
Apesar da diversidade de práticas e crenças, algumas ideias-chave atravessam as diferentes correntes do Hinduísmo:
Dharma: a ordem cósmica, dever moral e responsabilidade individual.
Karma: a lei de causa e efeito moral — cada ação gera consequências nesta ou em outras vidas.
Samsara: o ciclo de nascimentos, mortes e renascimentos.
Moksha: a libertação do ciclo de renascimentos, objetivo último da existência.
Atman: o Eu interior, essência divina presente em todos os seres.
Brahman: o Absoluto impessoal ou pessoal, a origem de tudo, tanto imanente quanto transcendente.
Esses conceitos são abordados de maneiras distintas por diferentes escolas filosóficas hinduístas, que vão desde o dualismo teísta de algumas linhas Vaishnavas até o não-dualismo (advaita) de Shankara.
O Hinduísmo é muitas vezes percebido como politeísta, mas essa visão é simplista. Na verdade, há uma multiplicidade de deuses e deusas que representam diferentes aspectos do divino supremo — uma teologia ao mesmo tempo monoteísta, politeísta e panteísta.
As principais divindades são:
Brahma – o criador (pouco cultuado atualmente);
Vishnu – o preservador, com múltiplas encarnações (avatara, como Krishna e Rama);
Shiva – o destruidor e regenerador, associado à meditação e ao êxtase;
Devi – a Mãe Divina em múltiplas formas (Durga, Kali, Parvati, Lakshmi, Saraswati);
Ganesha – deus da sabedoria e removedor de obstáculos.
Cada culto desenvolve rituais, templos e festivais próprios, e é comum que uma pessoa se identifique com um ou mais deuses ao longo da vida, sem exclusividade.
As práticas hinduístas são profundamente variadas:
Puja: oferendas e rituais domésticos ou em templos.
Japa: repetição de mantras.
Yoga: união entre o eu individual e o divino — com várias formas (karma yoga, bhakti yoga, jñana yoga, raja yoga).
Meditação e controle da mente.
Festivais como Diwali, Holi, Navaratri, Maha Shivaratri.
Peregrinações a locais sagrados como Varanasi, Rishikesh, o rio Ganges, templos do sul da Índia, etc.
O corpo textual hindu é vastíssimo e classificado em duas grandes categorias:
Śruti (“ouvido”) – revelações divinas: os Vedas, os Upanishads.
Smṛti (“lembrado”) – textos tradicionais: os Puranas, o Mahabharata (incluindo a Bhagavad Gita), o Ramayana, os Dharma Shastras, etc.
Cada linha dentro do Hinduísmo enfatiza textos diferentes. A Gita, por exemplo, tornou-se uma síntese popular da teologia hindu no período clássico e moderno.
O contato com o Ocidente no século XIX deu origem a uma nova fase do Hinduísmo, com figuras como Vivekananda, Sri Aurobindo, Ramakrishna, Gandhi e Ramana Maharshi, que reinterpretaram o Dharma para uma era globalizada.
Hoje, o Hinduísmo continua vivo tanto em suas formas tradicionais quanto em diálogos com a ciência, filosofia, psicologia e movimentos de espiritualidade moderna.
Também é importante lembrar que o Hinduísmo é profundamente marcado por tensões internas, como:
O sistema de castas (rejeitado por muitos movimentos hindus modernos);
Relações de poder entre homens e mulheres nas práticas religiosas;
Conflitos com outras religiões, especialmente com o Islã e o Cristianismo no contexto indiano;
A ascensão do Hindutva, ideologia nacionalista hindu que busca transformar a Índia em um Estado religioso majoritariamente hindu.
O Hinduísmo não é um bloco monolítico. Ele é uma tapeçaria viva, em constante transformação, entre mitologia e metafísica, rito e meditação, devoção e filosofia. Sua resistência ao dogma e à centralização o torna instigante — e ao mesmo tempo desconcertante para os padrões ocidentais.
Entender o Hinduísmo é abrir-se a uma visão de mundo onde a realidade é múltipla, cíclica, paradoxal — e sagrada em todas as suas formas. É olhar para a diversidade como parte da própria essência do divino.