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Yazidismo: A Religião dos Yazidis

Entre o Cáucaso, o Curdistão e o Mistério

O Yazidismo é uma religião étnica e esotérica praticada principalmente pelos curdos yazidis, sobretudo no norte do Iraque, com comunidades menores na Síria, Turquia, Armênia, Geórgia e diásporas em países europeus. É uma tradição que remonta à antiguidade mesopotâmica, fundida com elementos do zoroastrismo, do islamismo sufista, do cristianismo oriental e de cultos locais. Essa miscigenação religiosa gerou uma cosmovisão única, enraizada em uma estrutura simbólica singular — e por isso, muitas vezes deturpada por quem vê de fora.

 

Origem e Mitos Fundacionais

A religião dos yazidis gira em torno do culto a Tawûsê Melek, o “Anjo-Pavão”, figura central do panteão yazidi, considerado o regente do mundo, um ser que representa a manifestação da vontade divina. Diferente da tradição abraâmica que demoniza os anjos caídos, os yazidis consideram Tawûsê Melek como aquele que recusou-se a se curvar a Adão, não por rebeldia contra Deus, mas por fidelidade absoluta a Ele — uma inversão teológica que é frequentemente confundida com satanismo, o que alimentou perseguições por séculos.

Segundo os mitos yazidis, Deus criou o mundo e confiou sua administração a sete grandes seres espirituais, dos quais o Anjo-Pavão é o mais importante. Essa mitologia, profundamente simbólica, carrega elementos de antigas religiões iranianas e babilônicas, atualizadas por uma linguagem mística e poética própria do sufismo curdo medieval.

Cosmovisão e Prática

O Yazidismo é uma religião oral. Seus ensinamentos sagrados, como o Kitêba Cilwe (Livro das Revelações) e o Mishefa Reş (Livro Negro), são cercados por um manto de sigilo e transmissão iniciática. Isso preserva os rituais e crenças dos olhares profanos e dos impérios teológicos que tentaram destruí-los.

A fé yazidi valoriza a pureza ritual, a preservação da linhagem e a manutenção das estruturas sociais tribais. Os casamentos devem ocorrer dentro da própria comunidade, e existem castas religiosas com funções distintas — como os xeques, pirs e murids. A reencarnação também faz parte do sistema de crenças, assim como a ideia de que a alma percorre ciclos de purificação.

As práticas incluem orações diárias voltadas para o sol, peregrinações ao santuário de Lalish (no norte do Iraque), onde está o túmulo de Sheikh Adi ibn Musafir — um místico sufista do século XII considerado restaurador da religião. Rituais de batismo, oferendas de óleo, jejum e danças circulares fazem parte da vivência espiritual yazidi.

Um Povo Perseguido

Durante a história, os yazidis foram sistematicamente perseguidos por impérios islâmicos otomanos e regimes fundamentalistas que os rotulavam como “adoradores do diabo”. No século XXI, essa perseguição atingiu um nível brutal com o genocídio perpetrado pelo Estado Islâmico (ISIS), que matou milhares de yazidis, sequestrou mulheres e crianças e tentou apagar sua cultura.

A resistência yazidi, contudo, não é apenas física, mas espiritual e cultural. A fé sobreviveu a séculos de ataques, preservada em vales montanhosos, nos cânticos de velhos anciãos e nas celebrações secretas. Hoje, ela simboliza não só um modo de vida, mas a teimosia de um povo que se recusa a ser apagado.

Yazidismo: Um Legado Vivo

É impossível encaixar o Yazidismo em categorias dogmáticas convencionais. Ele é simultaneamente uma religião étnica, um misticismo metafísico e uma filosofia de resistência. Sua lógica não se curva à razão moderna, pois fala a partir da ancestralidade, da paisagem e do símbolo.

Estudar o Yazidismo é uma oportunidade para questionar os limites do que chamamos de “religião”. Ele nos lembra que nem toda fé precisa de textos canônicos, que nem toda divindade precisa ser compreendida, e que muitas vezes, o sagrado habita justamente naquilo que nos escapa.