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O Mandeísmo é uma religião gnóstica com origens no Oriente Próximo, praticada por um pequeno grupo étnico-religioso chamado de mandaios, tradicionalmente concentrados nas regiões do atual sul do Iraque e sudoeste do Irã. Ao contrário de tradições mais conhecidas, o Mandeísmo é uma gnose viva — uma cosmologia dualista que não apenas sobreviveu, mas manteve seu centro ritualístico inalterado por quase dois milênios: o batismo.
As origens do Mandeísmo remontam ao século I da Era Comum (ou antes), com raízes profundamente entrelaçadas às correntes religiosas da Mesopotâmia, do judaísmo heterodoxo, do cristianismo primitivo, do zoroastrismo e de tradições gnósticas helenísticas. Para os mandeus, porém, sua religião é mais antiga que todas essas, traçando sua linhagem espiritual até Adão, considerado o primeiro profeta.
Na visão mandeísta, o universo está dividido entre o Mundo da Luz — eterno, perfeito e imutável — e o Mundo das Trevas, domínio da matéria, ignorância e morte. Os seres humanos são vistos como centelhas de luz aprisionadas na matéria, esquecidas de sua origem divina. A salvação, portanto, é o retorno da alma ao reino luminoso, um processo que exige conhecimento (gnose), rituais de purificação e orientação espiritual.
Ao contrário do cristianismo, os mandeus não reconhecem Jesus como messias ou figura divina. Pelo contrário, muitos textos mandeístas o retratam como um usurpador da verdadeira mensagem de João Batista — que, por sua vez, é venerado como o maior profeta da tradição mandeísta. Para os mandeus, João não batizou Jesus, mas se afastou dele por divergências teológicas fundamentais.
João é visto como o restaurador da verdadeira gnose da luz, e seus ensinamentos são preservados em textos como o Ginza Rba (“Grande Tesouro”), a principal escritura mandeísta, repleta de hinos, cosmogonias, revelações e instruções ritualísticas.
A prática central do Mandeísmo é o batismo ritual (masbuta) — não como um evento único de iniciação, mas como um rito periódico e purificador, realizado preferencialmente nas margens de rios naturais (simbólicos do Jordão Celestial). O batismo representa a renovação espiritual, a purificação das impurezas do mundo material e o fortalecimento da conexão da alma com a Luz.
O ritual é conduzido por sacerdotes treinados, que também realizam cerimônias de casamento, funerais e refeições sagradas chamadas lofani. O batismo pode ser realizado diversas vezes ao longo da vida, e sua repetição é um pilar fundamental da prática espiritual.
Historicamente, os mandeus viveram de forma isolada, mantendo suas doutrinas em segredo e evitando proselitismo. Seu sacerdócio hereditário e altamente ritualizado contribuiu para a preservação fiel de seus textos e práticas. No entanto, essa mesma reserva os tornou vulneráveis a perseguições, especialmente em momentos de extremismo religioso e instabilidade no Oriente Médio.
Com a invasão do Iraque, o colapso do governo laico e a ascensão de forças islâmicas radicais, os mandeus foram vítimas de severa perseguição. Muitos foram forçados ao exílio, espalhando-se por países ocidentais onde tentam manter sua fé em meio a novos desafios: escassez de sacerdotes, distância dos rios naturais e assimilação cultural.
Diferentemente de outras religiões monoteístas, o Mandeísmo não se fixa em dogmas rígidos, mas em uma visão metafísica do universo, na busca pela verdade interior, e na pureza espiritual obtida por meio do conhecimento e da ritualística. Ele representa uma ponte viva com as antigas tradições gnósticas, hoje praticamente extintas, e carrega em si uma espiritualidade radicalmente diferente do que o Ocidente moderno conhece.
Estudar o Mandeísmo é um exercício de mergulho profundo naquilo que foi esquecido ou ocultado pelas hegemonias teológicas: a ideia de que o conhecimento — não a fé cega — é o caminho para a salvação. E que, talvez, nossa alma não precise de redenção, mas apenas de lembrança.