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Muito antes do Cristianismo falar em Céu e Inferno, antes do Islamismo pregar a submissão à vontade divina e antes mesmo do Judaísmo consolidar o monoteísmo ético, uma religião surgida na antiga Pérsia ousou apresentar o mundo como um campo de batalha cósmico entre a Luz e as Trevas. Essa religião era o Zoroastrismo, e sua figura central foi um profeta chamado Zaratustra (ou Zoroastro).
Apesar de hoje ser praticado por um número relativamente pequeno de pessoas, o Zoroastrismo marcou profundamente o pensamento religioso do mundo ocidental e oriental, sendo provavelmente a primeira religião conhecida a conceber um Deus único, criador e benevolente, em oposição a uma força do mal.
Zaratustra viveu, segundo a maioria dos estudiosos, entre 1500 e 1000 a.C., embora outras estimativas o coloquem por volta de 600 a.C. Ele nasceu na região da Bactriana (atual Irã/Afeganistão) e rejeitou as práticas religiosas de seu tempo, que eram dominadas por uma multiplicidade de divindades e sacrifícios sangrentos.
Após uma visão mística junto ao rio Daitya, Zaratustra declarou ter recebido uma revelação do deus supremo Ahura Mazda (“Senhor Sábio”), que lhe revelou a estrutura oculta da realidade: o universo é palco de uma batalha eterna entre a Verdade (Asha) e a Mentira (Druj).
O Zoroastrismo é construído em torno de uma cosmologia dualista radical:
Ahura Mazda é o criador do universo, da ordem, da luz e da vida.
Seu oponente é Angra Mainyu (ou Ahriman), o espírito destrutivo, fonte da escuridão, do caos e da morte.
Diferentemente de outros sistemas religiosos que atribuem o mal a punições divinas ou falhas humanas, o Zoroastrismo afirma que o mal é uma força real, consciente e ativa no mundo — uma presença que precisa ser combatida.
Contudo, essa batalha não é travada apenas pelos deuses. Cada ser humano tem um papel essencial. O Zoroastrismo ensina que os humanos têm livre arbítrio, e que a salvação não é automática: ela depende de nossas escolhas éticas.
A palavra-chave na ética zoroastriana é asha: verdade, ordem, justiça, retidão cósmica. O ser humano é chamado a seguir o Caminho de Asha através de:
Bons pensamentos (Humata)
Boas palavras (Hukhta)
Boas ações (Hvarshta)
Essa tríade moral simples, mas poderosa, torna o Zoroastrismo uma religião fortemente ética, em contraste com sistemas religiosos que focam mais em rituais ou dogmas.
A base textual do Zoroastrismo é o Avesta, uma coleção de hinos, liturgias e tratados teológicos. A parte mais antiga e reverenciada são os Gathas, poemas atribuídos ao próprio Zaratustra.
Outros textos incluem:
Yasna: textos litúrgicos centrais.
Vendidad: leis de pureza e preceitos morais.
Visperad: complementos litúrgicos do Yasna.
A tradição oral teve papel fundamental na transmissão desses textos por séculos, o que torna a cronologia e interpretação do Zoroastrismo um desafio para os historiadores.
O Zoroastrismo não adora o fogo, mas o considera símbolo da luz divina e da sabedoria de Ahura Mazda. Os templos do fogo (Atashkadeh) são locais de oração e meditação, onde chamas sagradas são mantidas acesas por gerações.
Entre as práticas:
Oração diária voltada para uma fonte de luz (sol, fogo, etc.).
Observância da pureza ritual: abluções, separação do puro e do impuro.
Rituais funerários únicos: os mortos eram levados às torres do silêncio, onde seus corpos eram deixados para os abutres, evitando a poluição da terra, fogo ou água.
A influência zoroastriana no Judaísmo pós-exílico, no Cristianismo e no Islamismo é profunda e muitas vezes ignorada:
A ideia de um Deus supremo criador.
A figura do diabo como entidade pessoal e rebelde.
O juízo final, céu, inferno e ressurreição dos mortos.
A crença em um Messias (Saoshyant) que virá para destruir o mal e restaurar a ordem.
Estudiosos apontam que o contato dos judeus com os persas durante o exílio na Babilônia foi um dos vetores principais dessa influência teológica.
Com a conquista islâmica da Pérsia no século VII, o Zoroastrismo foi gradualmente suprimido, seus templos destruídos ou convertidos, e seus praticantes forçados à conversão ou marginalização.
Os que resistiram migraram para a Índia, dando origem à comunidade dos parsis, que preservam a fé até hoje, principalmente em Mumbai.
Hoje, os zoroastristas são uma minoria:
Estima-se menos de 200 mil praticantes no mundo.
Comunidades na Índia (parsis), Irã, EUA, Canadá, Reino Unido.
Apesar disso, sua herança filosófica e simbólica continua viva em grande parte das religiões abraâmicas — mesmo que raramente seja reconhecida.
O Zoroastrismo é uma religião que pensa o universo em termos éticos, onde cada ação humana conta. É uma fé que enxerga a história como um drama cósmico entre luz e escuridão, mas sem abrir mão da responsabilidade individual.
Numa era em que religiões se debatem entre moralismo e dogmatismo, o Zoroastrismo — com sua simplicidade ética, sua reverência à natureza e sua defesa do livre arbítrio — ainda lança uma luz antiga sobre questões profundamente modernas.