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O século XX foi o mais contraditório da história humana. Ao mesmo tempo em que se proclamava o século da liberdade, da razão e dos direitos humanos, assistia-se à ascensão dos regimes mais repressivos já vistos. Democracias eram celebradas nas constituições e ignoradas na prática. Ditaduras se legitimavam em nome da ordem, da revolução ou da salvação nacional. O resultado? Um planeta em constante tensão entre liberdade e controle, povo e Estado, discurso e realidade.
A crise das democracias liberais após a Primeira Guerra Mundial, somada ao colapso econômico de 1929, abriu espaço para líderes autoritários prometerem ordem, estabilidade e grandeza. A ascensão do fascismo e do nazismo não foi acidente, mas sintoma de uma sociedade em colapso — e disposta a sacrificar liberdade por segurança.
Exemplos emblemáticos:
Itália fascista (Mussolini): controle da imprensa, culto ao líder, supressão de partidos.
Alemanha nazista (Hitler): perseguição sistemática de minorias, totalitarismo ideológico, guerra e genocídio.
União Soviética (Stálin): Estado policial, expurgos, campos de trabalho forçado, culto à personalidade.
Mas o autoritarismo não se limitou à Europa. Em outros continentes, regimes igualmente brutais floresceram com diferentes pretextos:
Franquismo na Espanha (1939–1975).
Estado Novo no Brasil (1937–1945), sob Getúlio Vargas.
Militarismos na América Latina (Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia, etc.).
Ditaduras na Ásia e África, muitas sob o pretexto da estabilidade pós-independência.
Se por um lado ditaduras cresciam, por outro, a democracia liberal tentava se afirmar como modelo ideal de organização política — especialmente no Ocidente capitalista.
O sufrágio universal se expandiu, ainda que de forma desigual e tardia (mulheres votando apenas a partir do século XX, em muitos países).
A liberdade de expressão passou a ser um valor central, mesmo quando ignorado na prática.
A democracia, no entanto, não eliminou desigualdades, não impediu guerras e não blindou o mundo de crises econômicas ou sociais profundas.
Mesmo assim, em contextos de opressão, ela era vista como horizonte possível — especialmente em países sob ditadura.
Durante a Guerra Fria, tanto EUA quanto URSS apoiaram ou impuseram regimes autoritários, desde que servissem aos seus interesses estratégicos.
Os Estados Unidos, em nome do “mundo livre”, apoiaram ditaduras militares na América Latina, no Oriente Médio e na Ásia (inclusive por meio de golpes de Estado).
A União Soviética, sob o pretexto de “libertar os trabalhadores”, sustentou regimes de partido único que reprimiam toda dissidência.
O jogo geopolítico anulava qualquer pretensão ética. A realpolitik reinava.
As décadas de 1960 a 1980 viram uma onda de regimes militares na América Latina, quase sempre com o apoio (velado ou direto) dos Estados Unidos:
Brasil (1964–1985): repressão violenta, censura, desaparecidos políticos, propaganda nacionalista.
Chile (1973–1990): o golpe de Pinochet derrubou o governo eleito de Salvador Allende; o regime perseguiu, torturou e matou opositores.
Argentina (1976–1983): a “guerra suja” levou à morte e desaparecimento de milhares de pessoas.
Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru: variações de um mesmo roteiro: militarismo, anticomunismo e censura.
Essas ditaduras deixaram traumas profundos e uma sociedade civil marcada pelo medo — mas também pela resistência.
Nas décadas finais do século XX, muitos regimes autoritários ruíram — seja por pressão popular, seja por crises internas, seja por fim do apoio internacional com o colapso da URSS.
Transições negociadas: pactos entre elites militares e civis para evitar punições.
Comissões da verdade: tentativas de investigar os crimes do passado (nem sempre efetivas).
Democracias frágeis: instituições frágeis, oligarquias reconfiguradas e persistência de práticas autoritárias.
O retorno à democracia, portanto, não foi sinônimo de justiça plena — mas, em muitos casos, apenas uma nova forma de acomodação política.
Mesmo nos regimes democráticos, o século XX nos ensinou que:
A manipulação midiática, o populismo e o nacionalismo exacerbado podem corroer a democracia por dentro.
Eleições não garantem liberdade se instituições forem fracas.
O Estado de Direito pode ser instrumentalizado para perseguir dissidentes ou minar a oposição.
O século XX terminou sem resolver essa tensão: o quanto uma sociedade está disposta a abrir mão de sua liberdade em nome de segurança, ordem ou tradição?
Este capítulo da história mostra que nem toda democracia é plena, nem toda ditadura vem com tanques nas ruas. O poder se reinventa, se camufla, se adapta. O verdadeiro desafio não é apenas escolher entre regimes — mas criar sociedades vigilantes, críticas e conscientes o suficiente para não se deixarem seduzir pela promessa fácil da autoridade absoluta.