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Protestantismo e Neopentecostalismo

Se o Catolicismo moldou as estruturas coloniais, o Protestantismo e, mais recentemente, o Neopentecostalismo, redesenharam o mapa da fé em contextos modernos e pós-coloniais. Estas expressões religiosas, embora compartilhem raízes comuns na Reforma do século XVI, tomaram rumos radicalmente diferentes — em teologia, estética, política e projeto de poder. Com o tempo, se tornaram também protagonistas de disputas culturais, morais e econômicas que vão muito além do altar.

As Origens do Protestantismo: Reforma e Ruptura

O Protestantismo nasce oficialmente em 1517, quando Martinho Lutero, monge alemão, afixa suas 95 teses na porta da igreja de Wittenberg, desafiando a autoridade papal, a venda de indulgências e o controle absoluto da Igreja Católica sobre a vida espiritual.

A Reforma não foi apenas um evento teológico — foi uma revolução cultural. Ao traduzir a Bíblia para o vernáculo e afirmar o sola scriptura (somente a Escritura), os reformadores deram ao indivíduo o poder de ler, interpretar e se relacionar com o divino sem intermediários eclesiásticos. Surgiram diversas correntes: luteranos, calvinistas, anglicanos, anabatistas, entre outras.

No entanto, o que nasceu como contestação à hierarquia romana logo se institucionalizou também: igrejas protestantes organizaram suas próprias doutrinas, liturgias e modelos de disciplina comunitária. E com a colonização, esse protestantismo foi exportado — especialmente por ingleses, holandeses e alemães — para diferentes partes do mundo.

Protestantismo no Brasil e na América Latina

Embora a presença protestante nas Américas date do século XVII (com colonos calvinistas e huguenotes), foi no século XIX que o movimento ganhou corpo, sobretudo com a chegada de missionários protestantes dos Estados Unidos, empenhados em evangelizar populações “papistas” e estabelecer igrejas autônomas.

A partir daí, multiplicaram-se as denominações: presbiterianos, batistas, metodistas, adventistas, luteranos, entre outras. O discurso era geralmente moralizante, bíblico e reformador. Em muitos contextos, o protestantismo foi aliado da alfabetização, da ética do trabalho, da temperança e da disciplina.

Mas esse protestantismo tradicional seria apenas o prelúdio de uma nova onda que, no final do século XX, transformaria radicalmente o cenário religioso latino-americano.

Neopentecostalismo: O Espírito e o Mercado

Surgido nas décadas de 1970 e 1980, o Neopentecostalismo é uma mutação do Pentecostalismo clássico. Se este valorizava os dons do Espírito (glossolalia, cura, profecia) e a santidade pessoal, o Neopentecostalismo levou essas práticas a um novo patamar: espetáculo, marketing religioso e uma teologia centrada no sucesso pessoal.

A chamada Teologia da Prosperidade — doutrina central do neopentecostalismo — ensina que fé, fidelidade e doações financeiras trazem bênçãos materiais e vitória em todas as áreas da vida. O sofrimento é sinal de maldição ou incredulidade. A pobreza se torna um problema espiritual, e não social.

Essas igrejas operam como verdadeiros impérios midiáticos, com programas de TV, redes sociais, selos musicais, editoras e até partidos políticos. As megaigrejas, com seus templos monumentais e líderes carismáticos, encenam uma nova forma de culto, onde religião, política, psicologia motivacional e empreendedorismo se misturam.

Exorcismos, Batalha Espiritual e Inimigos Invisíveis

Um dos pilares do Neopentecostalismo é a batalha espiritual — a crença de que demônios atuam nas estruturas sociais, na política, nas religiões afro-brasileiras, nas artes e na vida cotidiana. Essa cosmovisão dualista produz um mundo onde tudo é espiritualizado: uma doença pode ser causada por um espírito maligno, um vício é possessão, um problema financeiro é maldição.

Esse discurso permitiu a criminalização simbólica (e às vezes literal) de tradições religiosas afrodescendentes e indígenas, tidas como “demoníacas”. Com isso, o neopentecostalismo não apenas disputa fiéis, mas impõe uma guerra cultural e religiosa no espaço público.

Política, Moral e Poder

Não é coincidência que o crescimento explosivo do neopentecostalismo tenha vindo acompanhado de um projeto político. Bancadas evangélicas, alianças com o poder executivo, censura a pautas progressistas e controle de narrativas culturais fazem parte da atuação dessas igrejas no cenário político.

A moral sexual, o combate ao “marxismo cultural” e a defesa da “família tradicional” são temas recorrentes em sua militância. Mas por trás do moralismo, há um projeto de poder: não apenas transformar o mundo segundo a Bíblia, mas moldar a sociedade segundo os interesses de suas lideranças.

Entre a Fé e o Sistema

É importante, no entanto, reconhecer a complexidade desse fenômeno. Milhões de fiéis encontram nas igrejas protestantes e neopentecostais acolhimento, identidade, reconstrução de vidas devastadas por abandono estatal e exclusão. A religião, mesmo quando estruturada dentro da lógica neoliberal, ainda opera como espaço de esperança, cura e pertencimento.

A crítica ao neopentecostalismo institucional e à exploração religiosa não pode apagar a subjetividade dos que vivem sua fé com sinceridade. O desafio é compreender como a fé pode ser, ao mesmo tempo, refúgio e instrumento de dominação — libertadora e alienante.