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A história recente da América Latina – e do Brasil em particular – é marcada por uma tensão constante entre promessas de emancipação e mecanismos de dominação. Mesmo após a independência política no século XIX, a região seguiu presa a estruturas coloniais, tanto internas quanto externas. O século XX e início do XXI revelam um cenário de contradições: explosões democráticas e repressões brutais, crescimento econômico e desigualdade crônica, identidade cultural vibrante e apagamento sistemático das vozes indígenas, negras e populares.
Mesmo após a independência das metrópoles europeias, a América Latina não escapou da lógica de dependência econômica e política. A teoria da dependência, desenvolvida por pensadores latino-americanos como Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso (em sua fase crítica), mostrou como o desenvolvimento do centro (Europa e EUA) se dava às custas do subdesenvolvimento das periferias.
A industrialização, quando veio, foi tardia e incompleta. Os governos apostaram em modelos desenvolvimentistas, como o de Getúlio Vargas no Brasil ou Juan Domingo Perón na Argentina, que buscaram fortalecer o mercado interno, o Estado e a soberania nacional. Mas essas tentativas logo enfrentaram a reação das elites locais e dos interesses estrangeiros.
Entre as décadas de 1960 e 1980, a região foi tomada por regimes militares autoritários, com apoio direto dos Estados Unidos, dentro da lógica da Guerra Fria e da Doutrina de Segurança Nacional.
No Brasil (1964–1985), a ditadura promoveu censura, perseguição política, tortura e desaparecimentos.
No Chile (1973), o golpe contra Salvador Allende instalou a brutal ditadura de Augusto Pinochet.
Na Argentina, a “guerra suja” eliminou milhares de opositores sob a alegação de combate ao comunismo.
Esses regimes impuseram políticas neoliberais ainda antes do consenso de Washington, destruindo movimentos sociais e entregando setores estratégicos às multinacionais.
A partir dos anos 1980, a redemocratização trouxe esperanças, mas também um novo ciclo de dependência, agora sob o manto da globalização econômica.
No Brasil, a Constituição de 1988 representou uma vitória dos setores populares, mas a década de 1990 foi marcada por privatizações, desemprego e precarização, com o governo Collor e depois com Fernando Henrique Cardoso, já sob o receituário do FMI.
Outros países da região também passaram por ajustes estruturais: liberalização econômica, cortes nos gastos públicos e abertura ao capital estrangeiro. O resultado foi um crescimento frágil e o agravamento das desigualdades.
No início do século XXI, emergiu uma onda de governos progressistas que buscou reverter os danos do neoliberalismo, com foco em programas sociais, soberania nacional e integração regional:
Lula e Dilma no Brasil (2003–2016), com programas como o Bolsa Família e o fortalecimento dos BRICS.
Hugo Chávez na Venezuela, que promoveu a retórica bolivariana e a nacionalização do petróleo.
Evo Morales na Bolívia, o primeiro presidente indígena, com reformas constitucionais e sociais profundas.
Néstor e Cristina Kirchner na Argentina, com recuperação econômica e políticas de memória sobre a ditadura.
No entanto, essa maré progressista enfrentou golpes institucionais, crises econômicas e ofensivas midiáticas. No Brasil, o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 inaugurou um novo ciclo conservador, marcado por retrocessos sociais e polarização política.
Os últimos anos viram a ascensão de governos neoconservadores, autoritários e anticientíficos, com discursos moralistas, militarização da política e desprezo pelas minorias.
No Brasil, o governo Bolsonaro (2019–2022) atacou direitos indígenas, enfraqueceu instituições democráticas e incentivou a desinformação.
Em diversos países, houve criminalização de movimentos sociais, ataques à liberdade de imprensa e cortes nos investimentos em educação e saúde.
Ao mesmo tempo, resistências eclodem em todos os cantos: protestos no Chile, levantes indígenas no Equador, ocupações urbanas no Brasil, feminismos latino-americanos em marcha.
Hoje, o continente vive um novo momento de ebulição. As eleições têm oscilado entre projetos populares e reações conservadoras, e as velhas feridas do colonialismo, do racismo estrutural e da concentração de renda seguem abertas.
Mas também se observa um renascimento da cultura crítica latino-americana: indígenas retomando suas línguas e territórios, juventudes organizando-se em redes, coletivos culturais promovendo novas estéticas e valores.
A América Latina, ainda em busca de sua verdadeira independência, não é um bloco homogêneo, mas um campo de batalha simbólica, política e econômica. O que está em jogo é a possibilidade de romper com séculos de exploração e construir um projeto autêntico, plural e justo.