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A religiosidade afro-brasileira não se limita aos grandes centros do Candomblé e da Umbanda. No tecido plural do Brasil, diversas tradições afrodescendentes floresceram, cada uma adaptando-se aos contextos locais, às etnias africanas predominantes na diáspora daquela região e aos sincretismos religiosos regionais. Três dessas expressões merecem destaque próprio: o Batuque do Rio Grande do Sul, o Xangô do Recife e o Tambor de Mina do Maranhão. Todos compartilham a marca da resistência espiritual afro-brasileira, mas cada um se ergue com uma identidade própria.
Originado sobretudo da presença bantu e iorubá no sul do Brasil, o Batuque gaúcho tem como centro o culto aos orixás, com forte presença dos ancestrais nagôs. A prática gira em torno dos rituais de iniciação, oferendas, e sobretudo das giras — cerimônias em que orixás são incorporados pelos médiuns. É marcante o uso de tambores e cânticos em iorubá, embora já sincretizados em muitos pontos com santos católicos.
No Batuque, destaca-se a presença do “assentamento” dos orixás, como elementos materiais que os conectam ao terreiro. Além disso, há uma rígida estrutura ritualística, incluindo iniciações longas e exigentes. Apesar das perseguições sofridas ao longo do século XX, inclusive por forças policiais, o Batuque permanece como uma das mais fortes expressões afro-religiosas do sul do país.
O Xangô pernambucano é a principal expressão do culto afro-brasileiro no Nordeste, com raízes profundas nas tradições iorubás, mas que incorpora elementos do catolicismo e do espiritismo. O nome “Xangô” já revela sua base nagô — trata-se do orixá da justiça e do trovão, central nos cultos locais.
Os rituais do Xangô incluem toques de atabaques, cantos em língua africana, uso de indumentárias específicas e a incorporação dos orixás. As cerimônias acontecem em terreiros chamados “nacôs”, e os sacerdotes (pai e mãe de santo) exercem funções espirituais, sociais e políticas. Ao contrário de outras formas de candomblé mais difundidas no sudeste, o Xangô não hesita em afirmar seu vínculo com os santos católicos, resultando num sincretismo religioso que mescla elementos africanos com festas populares cristãs, como a de São João.
O Tambor de Mina é uma das formas mais singulares do culto afro-brasileiro, com características que o distinguem fortemente das demais. Sua base é a tradição dos jejes (Ewe-Fon), sobretudo vindos do antigo Daomé (atual Benim). A divindade principal aqui são os voduns, e não os orixás iorubás, embora estes também possam aparecer em algumas casas sincréticas.
Um dos elementos mais fascinantes da Mina é sua fusão com elementos indígenas e espiritistas. Além dos voduns, cultuam-se entidades conhecidas como caboclos e encantados, muitos com origem mítica ligada ao folclore regional ou à história do Brasil colonial. A influência do catolicismo é profunda, com santos sendo homenageados lado a lado com as divindades africanas, e o espiritismo kardecista também deixou sua marca, especialmente na maneira como se entende a incorporação espiritual.
O Tambor de Mina é também musicalmente distinto, utilizando toques e ritmos próprios, com um papel central para o tambor como instrumento de comunicação com o sagrado.
Batuque, Xangô e Mina não são variantes de uma mesma religião, mas formas independentes, com raízes, teologias e práticas próprias. São religiões de resistência, reconstruídas em solo brasileiro com os cacos arrancados da brutalidade da escravidão. Ao longo dos séculos, não apenas sobreviveram — elas floresceram, criando pontes entre África e Brasil, entre o visível e o invisível, entre o humano e o divino.
Negadas pelo discurso colonial e combatidas pela intolerância, essas tradições persistem como expressão de fé, cultura e identidade. Conhecê-las é não só compreender a história do Brasil, mas entrar em contato com uma visão do mundo onde a música, o corpo, a ancestralidade e o espírito dançam juntos no mesmo compasso.