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Antes do apogeu do império asteca, o território da Mesoamérica já era habitado por civilizações sofisticadas com sistemas religiosos próprios, complexos e enraizados em uma cosmologia profundamente conectada com a terra, os ciclos do tempo e os deuses ancestrais. Zapotecas, Mixtecas e Toltecas formam um elo crucial na evolução do pensamento religioso mesoamericano, sendo ao mesmo tempo precursores, transmissores e reformuladores de símbolos, práticas e deuses que mais tarde os astecas herdariam e adaptariam.
A civilização zapoteca floresceu nas terras altas de Oaxaca, especialmente em Monte Albán, entre 500 a.C. e 900 d.C. Sua religião era marcada por uma clara concepção cíclica do tempo, cultos aos ancestrais e um elaborado panteão de divindades ligadas à fertilidade, guerra e morte.
Entre os deuses zapotecas, destacam-se:
Cocijo: deus da chuva, do relâmpago e da fertilidade, muito semelhante a Tlaloc.
Pitao Cozobi: divindade do milho, essencial para a subsistência e sacralizada como princípio da vida.
Xipe Totec (também presente em outras culturas): associado à renovação e à fertilidade, representado por sacerdotes vestidos com peles humanas.
Os zapotecas também acreditavam fortemente na vida após a morte, como indica a arquitetura de túmulos elaborados e a prática de rituais funerários. A escrita zapoteca, uma das primeiras da Mesoamérica, frequentemente registrava feitos de nobres e rituais religiosos, conectando a elite com o mundo divino.
Os Mixtecas, vizinhos dos zapotecas e também situados em Oaxaca, são célebres por seus códices ilustrados, que preservam com detalhes suas mitologias e rituais. Sua religião era rica em símbolos astrais, genealogias divinas e ritos de sacrifício e oferenda de sangue. Os sacerdotes mixtecas desempenhavam um papel crucial como intérpretes do destino, da história e dos ciclos sagrados do tempo.
Entre suas principais figuras mitológicas estão:
Dzahui: deus da chuva e padroeiro da agricultura, ligado à fertilidade e aos sacrifícios.
Coquihani: deidade solar associada à guerra e à realeza.
Senhor Oito Veado Garra de Jaguatirica: herói mítico e figura histórica-sacra retratada nos códices mixtecas, cuja vida foi entendida como uma trajetória mítica de conquistas e rituais.
Os mixtecas acreditavam que os deuses nasceram no céu das nove camadas e na terra das treze camadas, uma cosmologia que ecoaria no pensamento asteca. A prática da auto-oferta de sangue, perfurando línguas, orelhas ou genitais, era comum entre sacerdotes e nobres como forma de manter a ordem cósmica.
Embora envoltos em névoas míticas, os Toltecas (c. 900–1150 d.C.) exerceram uma influência enorme sobre os povos posteriores, especialmente os astecas, que viam os toltecas como os fundadores da sabedoria, da arte e da religião verdadeira.
A cidade de Tula, sua capital, era dominada por imensos atlantes de pedra (colunas em forma de guerreiros) e templos dedicados a deuses poderosos como:
Quetzalcóatl: a serpente emplumada, deus civilizador, patrono dos toltecas, símbolo do equilíbrio entre força e sabedoria. Ele é, ao mesmo tempo, figura histórica (um governante mítico) e símbolo teológico.
Tezcatlipoca: contraparte sombria de Quetzalcóatl, deus do destino, da noite e do caos criador.
A tradição tolteca girava em torno de uma tensão mítica entre Quetzalcóatl e Tezcatlipoca — ordem versus embriaguez, pureza versus sacrifício —, uma dualidade que os astecas herdaram e amplificaram.
Alguns relatos indicam que os toltecas praticavam sacrifícios humanos, mas também são creditados com uma fase de “pureza espiritual” antes de sua decadência. Essa ambiguidade sugere que o termo “tolteca” pode ter se tornado um arquétipo cultural, mais do que uma identidade étnica estática.
As práticas religiosas de zapotecas, mixtecas e toltecas formaram a espinha dorsal da religiosidade mesoamericana. Muitas de suas concepções sobre o tempo, a morte, o sacrifício e os deuses foram absorvidas e transformadas pelos astecas.
A fusão entre culto agrícola, cosmovisão astronômica e ritualismo sangrento percorre todos esses povos — cada qual com suas variações e ênfases. Mesmo com a destruição trazida pela conquista espanhola, resquícios dessas crenças sobrevivem em tradições populares, festas sincréticas, lendas orais e até mesmo na arquitetura cerimonial das ruínas de Monte Albán, Mitla e Tula.
As religiões de Zapotecas, Mixtecas e Toltecas não foram “precursoras” dos astecas no sentido simplista. Foram sistemas simbólicos próprios, com suas cosmologias originais, que contribuíram com uma riqueza espiritual para a tapeçaria da Mesoamérica. E como toda religião enraizada na terra e no céu, sua voz ainda ecoa — basta saber escutar.