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Hípias nasceu em Élis, na região do Peloponeso, por volta de 460 a.C., e teve sua atividade intelectual mais marcante durante o século V a.C., como os demais sofistas. Era uma figura célebre na Grécia por sua vastidão de conhecimentos, e também por sua arrogância intelectual — algo que Platão aproveitou para satirizar com gosto em seus diálogos.
Segundo os relatos (muitos vindos dos próprios diálogos platônicos), Hípias:
Sabia astronomia, geometria, aritmética, música, poesia, gramática, história, política…
Produzia textos poéticos e discursos políticos.
Costurava as próprias roupas e sandálias — para mostrar sua autossuficiência total.
Ele acreditava que o verdadeiro sábio deveria ser independente em tudo: no pensamento, na produção material e na atuação pública.
Apesar de sua fama como polímata, a contribuição filosófica de Hípias é mais ética e epistemológica do que metafísica. Ele defendia a ideia de que:
O que é natural é imutável e universal.
O que é legal ou convencional é artificial e relativo.
Essa distinção é central entre os sofistas: enquanto a sociedade impõe normas mutáveis, a natureza possui leis próprias. Para Hípias, devemos seguir a razão natural, não as tradições impostas.
Essa visão se alinha à ideia de uma “lei natural” racional, que será posteriormente explorada por estoicos e até por juristas romanos.
Platão retrata Hípias em dois diálogos satíricos:
Hípias Maior: discute o conceito de beleza. Hípias tenta defini-la com exemplos banais (uma bela moça, ouro, harmonia), mas é desmontado por Sócrates, que busca uma definição essencial.
Hípias Menor: debate sobre mentira e verdade. Hípias defende que o mentiroso é pior que o ignorante; Sócrates, com ironia, argumenta que o mentiroso é mais inteligente — porque conhece a verdade, mas a oculta.
Esses diálogos, embora cômicos, revelam como Hípias defendia uma sabedoria prática, enquanto Sócrates buscava verdades universais.
Hípias também era conhecido por suas técnicas de memorização e oratória eficaz. Ele ensinava seus alunos a organizar o pensamento de forma lógica e persuasiva — habilidades essenciais na democracia ateniense.
Seu conhecimento enciclopédico servia a um propósito claro: convencer, educar e se destacar publicamente.
Hípias é, talvez, o melhor exemplo da autoconfiança sofista. Ele se apresentava como:
“Capaz de competir com qualquer um, em qualquer área do saber.”
Mas sua figura também nos faz pensar:
Onde termina o saber e começa a vaidade?
Existe espaço, em uma sociedade democrática, para um “gênio universal”?
Ou o saber deve ser compartilhado, e não monopolizado?
Hípias, com sua arrogância, nos obriga a refletir sobre o papel do intelectual na sociedade: alguém que guia ou que se exibe?
Hípias de Élis é uma figura fascinante e contraditória. Seu espírito enciclopédico antecipa os humanistas renascentistas, os grandes sábios da Antiguidade e até os “intelectuais públicos” modernos. Mas sua confiança no saber absoluto o fez alvo de ironias e críticas.
Mesmo que tenha exagerado em sua autossuficiência, ele nos deixa uma lição importante: a busca pelo conhecimento deve ser ampla, ousada e integral — e jamais submissa às convenções.