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Górgias nasceu em Leontinos, na Sicília, por volta de 485 a.C., e viveu até cerca de 380 a.C.. Ele foi um dos mais famosos sofistas itinerantes, conhecido por sua eloquência avassaladora e por ter elevado a retórica à categoria de arte estética.
Foi enviado como embaixador da sua cidade a Atenas, onde encantou os atenienses com seu estilo arrebatador, carregado de figuras de linguagem, ritmo, paralelismos e paradoxo. Era um verdadeiro mestre da persuasão, capaz de defender qualquer causa — e de pôr em xeque até a noção de realidade.
Sua obra mais provocativa é o tratado conhecido como:
“Sobre a Natureza, ou Sobre o não-ser”
Nessa obra, Górgias expõe três teses centrais, desafiando a metafísica eleata (Parmênides):
Nada existe.
Se algo existisse, não poderia ser conhecido.
Se fosse conhecido, não poderia ser comunicado.
Ele está desconstruindo a própria estrutura do conhecimento filosófico tradicional.
A linguagem não corresponde diretamente à realidade.
A experiência humana está limitada à percepção subjetiva e às palavras, que são instrumentos falhos, enganosos, manipuláveis.
Essa visão é muitas vezes chamada de niilismo gnosiológico, e antecipa muitos elementos do pós-modernismo, da semiótica e até da filosofia da linguagem contemporânea.
Para Górgias, a linguagem é poder — não porque revela a verdade, mas porque transforma as emoções e a percepção do ouvinte.
“A palavra é um poderoso soberano, que com um corpo pequeníssimo e invisível realiza obras divinas.”
A linguagem pode comover, iludir, transformar, seduzir.
O orador é quase um mago, que encanta e domina com a palavra.
A verdade não está na razão, mas na eficácia do discurso.
Górgias, assim, estetiza a retórica: ela não serve apenas para convencer, mas para causar prazer estético e fascínio — como uma performance teatral.
Uma das suas obras mais conhecidas é o “Elogio de Helena” (Enkomion Helenes), onde ele defende que Helena de Troia, culpada por provocar uma guerra, não era culpada de nada.
Ele argumenta que:
Se ela foi levada por força: não é culpa dela.
Se foi enganada por palavras: foi vítima de retórica.
Se seguiu o amor de Afrodite: foi controlada pelos deuses.
Com isso, ele demonstra que qualquer tese pode ser defendida, se o discurso for bem construído. Essa obra é, na verdade, uma exibição de técnica retórica e uma crítica sutil à noção de responsabilidade absoluta.
Assim como Protágoras, Górgias foi alvo de Platão, que o retrata no diálogo Górgias, onde Sócrates o confronta sobre o uso da retórica sem compromisso com a verdade.
Platão o acusa de:
Ensinar a persuasão sem ética.
Reduzir a filosofia a um jogo de palavras.
Fazer da linguagem uma ferramenta de manipulação.
Mas ao fazer isso, Platão também reconhece — mesmo que relutante — a força e o perigo do discurso bem articulado.
Górgias influenciou:
A sofística posterior, que continuou explorando a linguagem como instrumento de poder.
A filosofia da linguagem moderna, que reconhece que linguagem não é espelho da realidade, mas uma construção simbólica.
O ceticismo e o relativismo epistemológico.
A psicologia da comunicação, ao mostrar o impacto emocional da palavra.
Ele é, talvez, o primeiro grande desconstrutor da filosofia grega.
Górgias de Leontinos é um pensador desconcertante. Sua genialidade está em nos fazer duvidar não apenas das respostas, mas das perguntas. Ele nos mostra que a linguagem, longe de ser neutra, é uma arma de guerra, uma poção mágica — capaz de mudar o que pensamos ser o mundo.