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“O ser não é; e se fosse, não poderia ser conhecido; e se fosse conhecido, não poderia ser comunicado.”

Quem foi Górgias?

Górgias nasceu em Leontinos, na Sicília, por volta de 485 a.C., e viveu até cerca de 380 a.C.. Ele foi um dos mais famosos sofistas itinerantes, conhecido por sua eloquência avassaladora e por ter elevado a retórica à categoria de arte estética.

Foi enviado como embaixador da sua cidade a Atenas, onde encantou os atenienses com seu estilo arrebatador, carregado de figuras de linguagem, ritmo, paralelismos e paradoxo. Era um verdadeiro mestre da persuasão, capaz de defender qualquer causa — e de pôr em xeque até a noção de realidade.

O tratado "Sobre o não-ser"

Sua obra mais provocativa é o tratado conhecido como:

“Sobre a Natureza, ou Sobre o não-ser”

Nessa obra, Górgias expõe três teses centrais, desafiando a metafísica eleata (Parmênides):

  1. Nada existe.

  2. Se algo existisse, não poderia ser conhecido.

  3. Se fosse conhecido, não poderia ser comunicado.

O que isso significa?

  • Ele está desconstruindo a própria estrutura do conhecimento filosófico tradicional.

  • A linguagem não corresponde diretamente à realidade.

  • A experiência humana está limitada à percepção subjetiva e às palavras, que são instrumentos falhos, enganosos, manipuláveis.

Essa visão é muitas vezes chamada de niilismo gnosiológico, e antecipa muitos elementos do pós-modernismo, da semiótica e até da filosofia da linguagem contemporânea.

A arte da retórica

Para Górgias, a linguagem é poder — não porque revela a verdade, mas porque transforma as emoções e a percepção do ouvinte.

“A palavra é um poderoso soberano, que com um corpo pequeníssimo e invisível realiza obras divinas.”

O que isso quer dizer?

  • A linguagem pode comover, iludir, transformar, seduzir.

  • O orador é quase um mago, que encanta e domina com a palavra.

  • A verdade não está na razão, mas na eficácia do discurso.

Górgias, assim, estetiza a retórica: ela não serve apenas para convencer, mas para causar prazer estético e fascínio — como uma performance teatral.

Elogio de Helena

Uma das suas obras mais conhecidas é o “Elogio de Helena” (Enkomion Helenes), onde ele defende que Helena de Troia, culpada por provocar uma guerra, não era culpada de nada.

Ele argumenta que:

  • Se ela foi levada por força: não é culpa dela.

  • Se foi enganada por palavras: foi vítima de retórica.

  • Se seguiu o amor de Afrodite: foi controlada pelos deuses.

Com isso, ele demonstra que qualquer tese pode ser defendida, se o discurso for bem construído. Essa obra é, na verdade, uma exibição de técnica retórica e uma crítica sutil à noção de responsabilidade absoluta.

Conflito com a filosofia tradicional

Assim como Protágoras, Górgias foi alvo de Platão, que o retrata no diálogo Górgias, onde Sócrates o confronta sobre o uso da retórica sem compromisso com a verdade.

Platão o acusa de:

  • Ensinar a persuasão sem ética.

  • Reduzir a filosofia a um jogo de palavras.

  • Fazer da linguagem uma ferramenta de manipulação.

Mas ao fazer isso, Platão também reconhece — mesmo que relutante — a força e o perigo do discurso bem articulado.

Legado e influência

Górgias influenciou:

  • A sofística posterior, que continuou explorando a linguagem como instrumento de poder.

  • A filosofia da linguagem moderna, que reconhece que linguagem não é espelho da realidade, mas uma construção simbólica.

  • O ceticismo e o relativismo epistemológico.

  • A psicologia da comunicação, ao mostrar o impacto emocional da palavra.

Ele é, talvez, o primeiro grande desconstrutor da filosofia grega.

Conclusão

Górgias de Leontinos é um pensador desconcertante. Sua genialidade está em nos fazer duvidar não apenas das respostas, mas das perguntas. Ele nos mostra que a linguagem, longe de ser neutra, é uma arma de guerra, uma poção mágica — capaz de mudar o que pensamos ser o mundo.

“A filosofia procura a verdade; Górgias mostra que até a busca pode ser uma ilusão.”