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“Assim como nossa alma, sendo ar, nos mantém unidos, o sopro e o ar circundam o mundo inteiro.”
Anaxímenes de Mileto (c. 586 a.C. – 526 a.C.) foi um filósofo pré-socrático da Escola Jônica, discípulo (ou seguidor) de Anaximandro, e o último dos três grandes pensadores milésios.
Ele viveu em uma época de intensa curiosidade e transição, onde o mito começava a ceder espaço ao logos — à razão investigativa. Sua principal contribuição foi retomar a ideia de um princípio material do cosmos, mas com uma originalidade que não o torna apenas um eco de Tales ou Anaximandro, e sim uma ponte entre ambos.
Para Anaxímenes, a archê (ἀρχή) — o princípio de todas as coisas — é o ar.
Mas não estamos falando apenas do ar que respiramos. Em sua concepção, o ar é vida, movimento, espírito, essência invisível que permeia tudo. Ele via o ar como um elemento dinâmico, que se transforma e dá origem à multiplicidade do mundo.
Anaxímenes introduziu uma explicação mecânica e naturalista para a transformação das coisas:
Quando o ar rarefaz, ele se torna fogo.
Quando condensa, se torna vento, depois nuvem, água, terra e, finalmente, pedra.
Ou seja, a diversidade do mundo nasce da modulação de uma substância única. Um conceito incrivelmente sofisticado para o século VI a.C.
Essa ideia é, de certa forma, uma precursora do pensamento científico moderno, que também busca unificar as forças da natureza e explicar as transformações da matéria a partir de um substrato comum.
Uma das ideias mais instigantes de Anaxímenes é a analogia entre o ar e a alma humana:
“Assim como nossa alma, sendo ar, nos sustenta, também o sopro e o ar mantêm unido o universo.”
Aqui vemos uma fusão entre física e metafísica, cosmologia e psicologia. O ar é o elo vital entre o microcosmo (o ser humano) e o macrocosmo (o universo).
Essa visão inspira uma leitura espiritual do cosmos sem cair no misticismo tradicional: o mundo respira, vive, pensa.
Anaxímenes elaborou uma explicação para os corpos celestes sem recorrer a deuses:
A Terra seria plana como uma folha, flutuando sobre o ar.
O Sol, a Lua e os astros viajam em círculos ao redor da Terra, como tampas ou carruagens flamejantes.
Os astros não têm luz própria, mas são corpos aquecidos pelo movimento.
Essas ideias podem parecer rústicas hoje, mas representam o esforço corajoso de explicar o céu com a razão, recusando o sobrenatural. É a gênese da astronomia filosófica.
Anaxímenes tentou unir as abordagens de Tales e Anaximandro:
De Tales, herdou a ideia de que tudo surge de uma substância material concreta;
De Anaximandro, a noção de que essa substância pode se transformar e dar origem à diversidade.
Mas foi além deles ao propor um mecanismo observável: rarefação e condensação.
Seu pensamento é, portanto, uma tentativa de tornar a filosofia mais empírica e próxima da experiência. Uma filosofia que observa a respiração, o vento, a névoa, e os transforma em fundamentos do cosmos.
Sua cosmologia era geocêntrica e ainda bastante primitiva;
O conceito de ar como princípio pode parecer menos “abstrato” que o ápeiron de Anaximandro, o que levou muitos estudiosos a considerá-lo um “retrocesso”;
Faltam registros diretos — quase tudo o que sabemos vem de relatos de outros filósofos, séculos depois.
Mas é injusto desconsiderar Anaxímenes. Ele representa uma etapa vital na evolução do pensamento racional e no esforço de conciliar intuição filosófica e observação natural.
Inspirou gerações posteriores de filósofos da natureza;
Antecipou a ideia de que a matéria é contínua e transformável, como nas teorias modernas de energia e estados da matéria;
Criou uma ponte entre matéria e espírito, antecipando discussões que voltariam com força em Heráclito, Estoicos e até no neoplatonismo.
É provável que tenha sido o primeiro a pensar em processos físicos contínuos para explicar a mudança.
Sua frase sobre o ar como alma inspirou diversas escolas esotéricas e ocultistas posteriormente — embora ele mesmo jamais tenha usado linguagem mística.
Seu modo de pensar foi recuperado no renascimento da filosofia natural, especialmente nos séculos XVI e XVII.
Anaxímenes foi o filósofo da respiração do mundo.
Enquanto Tales olhava para a água e Anaximandro para o infinito, ele enxergou no ar — invisível, vital e em movimento — o fio condutor do cosmos.
“O universo respira. E pensar é sintonizar-se com o ritmo do todo.”